Foto: Reprodução / Corinthians TV
Bom de Bola, com William Tales SilvaColunistas

Gavião também morre pela boca?

Ano novo, gestão nova. Essa é a realidade de alguns dos principais clubes do futebol brasileiro, como, por exemplo, Bahia, Corinthians e Santos. Outros, como Atlético Mineiro, Internacional e São Paulo, preferiram seguir seus antigos presidentes. Qualquer que seja o cenário, os inícios de mandatos costumam vir associados a balanços, metas e promessas.

E, nessa virada de ano, o cenário político que mais atrai holofotes é o do Corinthians, como já era de se esperar, visto que é o clube com a segunda maior torcida do país. Porém, além desse fator, outro componente tornou a última eleição corintiana ainda mais interessante. Desde outubro de 2007, o Timão era comandado pela mesma chapa: a Renovação & Transparência. A dinastia começou com Andrés Sánchez e seguiu com Mário Gobbi Filho, Roberto de Andrade, o próprio Andrés, que retornou ao cargo entre 2018 e 2020, e Duílio Monteiro Alves. O grupo é o mais vitorioso da história corintiana, mas se desgastou nos últimos anos, principalmente sob o comando de Duílio.

Quando assumiu, o Renovação & Transparência pegou o Corinthians no 17º lugar do Brasileirão, na 30ª rodada, e não conseguiu evitar o primeiro – e único – rebaixamento da história do clube. Na Série B, em sua primeira temporada completa, o grupo montou o time que faria a melhor campanha da história do campeonato na era dos pontos corridos, com 85 pontos, garantindo o título e o retorno imediato à elite.

Daí em diante, o Corinthians viveu a fase da sua história. Em onze anos, foram doze troféus. Um título de Copa do Brasil (2009), três Brasileirões (2011, 2015 e 2017), a tão sonhada Libertadores (2012), o Mundial (2012), uma Recopa Sul-Americana (2013) e cinco Paulistas (2009, 2013, 2017, 2018 e 2019). Isso sem contar outros grandes feitos, como a contratação de Ronaldo Fenômeno, ainda em 2009, que ajudou a devolver o Corinthians à primeira prateleira do futebol brasileiro.

Porém, desde o heptacampeonato nacional, em 2017, o time perdeu musculatura. Ainda vieram outros dois estaduais em sequência, fechando um tricampeonato consecutivo, mas a equipe, pouco a pouco, foi deixando essa tal primeira prateleira. Aqui não falo de grandeza, história ou torcida, mas sim de momento e competitividade. A má fase casa exatamente com o crescimento de Flamengo e Palmeiras, que ganhariam a sombra do Atlético Mineiro pouco depois. Nesse período, o Corinthians se apagou. 

Nos cinco Brasileirões disputados nesse recorte, o Timão terminou na segunda metade da tabela três vezes, sendo o 13º colocado em duas ocasiões, flertando com a briga contra o rebaixamento no ano passado. As melhores posições foram o quarto lugar de 2022 e o quinto de 2021. Pouco para a expectativa do “bando de loucos”. 

Essa queda casa com os mandatos de Andrés Sánchez (2018-2020) e Duílio Monteiro Alves (2021-2023). Andrés voltou à presidência com o discurso de “tentar fazer o time mais competitivo e campeão possível”. Não deu certo. Apesar dos dois paulistas, o desempenho ruim nos Brasileirões, associado às frustrações pelo vice-campeonato da Copa do Brasil de 2018 e à eliminação constrangedora na Pré-Libertadores de 2020 fizeram o retorno de Sánchez ser abaixo da expectativa. 

Com o desempenho da equipe em queda e a dívida do clube em crescimento, Duílio Monteiro Alves assumiu a presidência com um discurso de austeridade. Em campo, ele se tornou o primeiro mandatário corintiano a terminar a gestão sem títulos no futebol masculino desde Roberto Pasqua, entre 1985 e 1987. Como destaque, teve apenas as duas classificações para a Libertadores, em 2021 e 2022, e o vice-campeonato da Copa do Brasil de 2022. 

Na reta final do seu mandato, Duílio promoveu o “Debate da Gestão”, com seis jornalistas de diferentes veículos, para tratar sobre seus quatro anos à frente do clube. Durante as três horas de sabatina, aproveitou para criticar o então candidato de oposição Augusto Melo e promover – sem sucesso – seu possível sucessor, André Negão, mas também respondeu perguntas duras, como quando foi questionando sobre o que diria para rebater a acusação de que era o pior presidente da história do clube. “Quando eleito eu coloquei isso muito claro a todos, em minha primeira entrevista como presidente, que o título dessa gestão seria pagar contas”, respondeu Duílio, que alega ter reduzido em 23% a dívida do clube. 

Diante desse cenário, os sócios optaram por uma mudança. Com quase dois terços dos votos, Augusto Melo venceu André Negão e foi eleito presidente do Corinthians para o triênio 2024-2026. Empossado na terça-feira, o novo mandatário alvinegro tem se notabilizado por suas falas para lá de esperançosas em suas aparições na imprensa e em coletivas. A primeira e maior delas se deu em torno de uma possível contratação de Gabigol, atacante e ídolo do Flamengo, que tem contrato com o rubro-negro até o fim de 2024 e multa estimada em mais de R$ 700 milhões de reais.

Durante a posse, o presidente foi questionado sobre o andamento da negociação e disse que o “tem conversas adiantadas [com o Gabigol], depende deles. É um atleta que nos interessa, tem nossas características. Fizemos nossa parte. Está caminhando bem”. O discurso, porém, não é o mesmo do lado de lá. Tanto a diretoria flamenguista quanto o empresário do jogador negam qualquer negociação com o Corinthians. O próprio jogador chegou a agradecer o carinho que vinha recebendo da torcida corintiana, em entrevista ao podcast PodPah, mas sempre fez questão de ressaltar que tinha mais um ano de contrato com o Flamengo. Tanto é que o atacante voltou a treinar no Ninho do Urubu nesta terça, mesmo com a reapresentação marcada apenas para a próxima segunda.

E as incoerências não param por aí. Também durante a posse, três reforços foram anunciados: o lateral-esquerdo Diego Palacios, o volante Raniele e o meia Rodrigo Garro. Do trio, apenas o primeiro passou ileso a polêmicas. Segundo o jornalista Venê Casagrande, o Cuiabá foi pego de surpresa com o anúncio de Raniele, pois ainda nem havia recebido a documentação assinada quando o Corinthians confirmou a contratação do volante, que nem tinha feito os exames médicos ainda. 

O mesmo aconteceu com Rodrigo Garro, do Talleres. Em entrevista ao UOL, o presidente do clube argentino, André Fassi, disse que o contrato não estava assinado e que não oficializaria a venda até acertar todos os detalhes, sugerindo até um certo amadorismo ou afobação da nova gestão alvinegra: “é compreensível que o Corinthians esteja fazendo assim, eles [a direção] assumiram ontem”, disse Fassi ao portal. O Timão se defendeu dizendo que tem todas as garantias do acordo e que só faltam os exames para a formalização do acordo. A mesma situação aconteceria com Félix Torres, do Santos Laguna, ainda segundo Venê, mas a direção do clube mexicano se antecipou e pediu para o Corinthians não divulgar o anúncio antes da confirmação de todos os trâmites burocráticos.

Isso porque ainda não falamos das promessas. Ter um time competitivo para brigar em todas as frentes, aumentar a capacidade da Neo Química Arena, aumentar a receita do uniforme, segurar jóias da base até darem retorno no profissional, reforma estatutária e transparência são algumas delas, sem contar com as “surpresas” prometidas para a semana que vem.

Por enquanto, o que se pode ver na prática é apenas a montagem da equipe. Mais de R$ 115 milhões de reais já foram investidos nessa janela, considerando as chegadas dos laterais-esquerdos Hugo e Diego Palacios, do zagueiro Félix Torres, do volante Raniele, do meia Rodrigo Garro e a permanência do zagueiro Lucas Veríssimo. Com essas cifras, o Corinthians é quem mais investiu no mercado até agora, entre os vinte clubes da Série A. Uma postura que vai de encontro às falas do presidente sobre a saúde financeira do clube: “infelizmente a situação é pior do que imaginamos, não só pela dívida, mas pela profunda desorganização administrativa”, disse Augusto na posse.

O mandatário, porém, fez questão de ressaltar que isso não inviabiliza o cumprimento de suas promessas: “não será possível fazer algo que prometemos? Não, só que teremos que trabalhar muito mais duro”. Há quem diga que a nova gestão está anunciando doença para vender remédio, mas a cada fala do presidente essa promessa de cura vai deixando de ser um simples socorro, uma manutenção saudável da operação – esportiva e financeira – do clube, para se tornar um verdadeiro ‘elixir da vida’.

Aos poucos, a fama de falastrão está colando na personalidade do presidente, que fez questão de se defender da acusação ainda na posse: “falam que eu falo demais, mas eu tô falando coisas concretas e vou provar pra vocês. Isso já é também uma forma de pressionar a minha diretoria para trabalhar”. E ele pode estar certo. Daqui a pouco podemos ver Félix, Raniele, Garro e Gabigol conquistando títulos pelo Timão, mas é fato que o presidente está, constantemente, dobrando a aposta. Falar demais não é problema, desde que as promessas sejam cumpridas. Ainda é muito cedo para cobrar a palavra de Augusto, mas já vimos desastres esportivos que começaram de forma parecida. 

No ano passado, por exemplo, o Santos fez a projeção orçamentária baseado em uma temporada de final de Paulista, quartas de Copa do Brasil e Sul-Americana, além do sexto lugar no Brasileirão. Mas a realidade foi muito mais dura com o alvinegro praiano, que caiu ainda na primeira fase da “Sula” e do estadual, nas oitavas da Copa do Brasil e foi rebaixado para a Série B pela primeira vez na sua história. Tantas promessas ao vento, ao longo de toda a gestão Reinaldo Rueda, fizeram valer o ditado e o Peixe, de fato, morreu pela boca. E o Gavião? Veremos.

por William Tales Silva
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