Santos 1×0 Botafogo-SP: a voadora mal dada que virou um belo tapa na cara
Antes de falar do jogo, preciso explicar o porquê de estar tratando aqui de um Santos x Botafogo de Ribeirão Preto – embora o assunto seja relevante o suficiente para valer uma coluna. Mas, o fato é que, depois de muito me planejar, consegui organizar uma viagem por alguns dos principais estádios do Sul e do Sudeste brasileiro. O primeiro deles foi justamente a Vila Belmiro.
A partida em si era pouco inspiradora. O Peixe recebia a Pantera em casa após ter aplicado 2 a 0 em Ribeirão Preto. A vaga já estava praticamente assegurada e a promessa era de uma noite fria no Urbano Caldeira – até pela fase ruim do alvinegro praiano.
No entanto, uma punição mudou tudo. Muitos devem se lembrar da constrangedora tentativa de agressão cometida por um torcedor santista contra o goleiro Cássio, do Corinthians, na Vila Belmiro, certo? Pois bem, essa cena ridícula ocorreu na Copa do Brasil do ano passado e rendeu ao Peixe dois jogos de portões fechados na edição deste ano do torneio. A primeira partida sem público foi cumprida contra o Iguatu, mas a segunda, que seria essa contra o Botafogo, teve uma mudança de pena, por solicitação do próprio clube, que conseguiu autorização para a presença exclusiva de mulheres, crianças e pessoas com deficiência na partida.
No entanto, apenas 1.788 pessoas estiverem presentes no confronto. Um público numericamente ruim e que só foi fraco assim porque o clube decidiu cobrar 40 reais no ingresso mesmo em uma situação excepcional como essa. Além disso, liberou toda a área da arquibancada (com exceção do espaço da Torcida Jovem, que foi proibido pelo STJD), evitando a formação de um grupo mais numeroso de torcedores. Ainda assim, enfatizo o que disse acima: o público só foi ruim numericamente. Porque, na animação, não deixou nada a desejar.
Não faltou garganta em nenhum minuto sequer para todos os presentes, embalados principalmente pela expressiva e pujante torcida feminina. Um tapa na cara de quem ainda acha, em pleno 2023, que estádio não é lugar de mulher. Mesmo com a classificação teoricamente encaminhada, as mulheres da Vila não deram colher de chá para os atletas. Pela cobrança da arquibancada, parecia que a vaga estava sendo disputada em jogo único. Mas não se engane: as queixas não são infundadas ou exageradas. O momento do Peixe é ruim e o desempenho do time no jogo foi decepcionante – principalmente no primeiro tempo.
Perdi as contas de quantas vezes ouvi gritos de “respeita o Santos” e de que “o Santos é o maior time da Terra”. Sabemos que a última afirmação não é plenamente verossímil – ainda mais em um mundo onde existe um tal Real Madrid –, mas o grito ainda é legítimo. É permitido ao Santos sentar nesta mesa para se candidatar a tal honraria. Afinal, foi na Vila Belmiro que desfilou vossa majestade, o maior de todos, o Rei Pelé.
Aos dez minutos de jogo, inclusive, a torcida entoou cânticos ao Rei como homenagem e não nego que me arrepiei. Aquele estádio viu a história acontecer. Viu o futebol se confundir com a cultura do nosso país a partir dos dribles e gols de Edson Arantes do Nascimento. Aquela arquibancada viu o que há de melhor. E, hoje, tem de se contentar com o mínimo. É muito pouco para o Santos torcer para não cair, como tem sido a realidade dos últimos anos e, provavelmente, desta temporada também.
Se não é o maior clube da Terra, o Santos é, com toda certeza, um dos maiores do Brasil – na minha opinião, é o maior – e não merece o caminho decadente que vem trilhando. Ainda assim, há esperança. Uma nova Vila Belmiro está por vir, para abrigar todas as mulheres que comandaram a festa nesta quarta (26) e para ver crescer todas as crianças que assistiram a essa vitória suada por 1 a 0. O futuro do Santos, definitivamente, não está no seu elenco limitado, tampouco na sua questionável direção. O futuro do Santos está na força da sua arquibancada.
- William Tales Silva, Jornalista. Repórter de esportes da TV Band Bahia. Autor do livro “[VAR] – A história e os impactos da maior mudança na aplicação das regras do futebol”, o primeiro sobre o árbitro de vídeo no Brasil, pela editora Footbooks/Corner. Já foi apresentador do Jogo Aberto da BandNews FM Salvador e teve oportunidades como apresentador do Jogo Aberto Bahia e comentarista da Série C do Brasileirão na TV Band Bahia.
- Dos mil problemas da CBF, o futebol é o menor - 5 de janeiro de 2024
- Gavião também morre pela boca? - 4 de janeiro de 2024
- Everton Ribeiro e o despertar da profecia tricolor - 3 de janeiro de 2024