O legado político e humano de Francisco, o Papa do diálogo
O Papa Francisco deixa um vácuo que vai além da esfera religiosa. Sua morte encerra um ciclo de mais de uma década de pontificado em que o chefe da Igreja Católica se projetou também como um dos principais articuladores morais e políticos do nosso tempo. Foram 12 anos e 39 dias. Não se trata de exagero. Francisco foi, ao longo de seu papado, um construtor de pontes em tempos de muros, e uma voz constante contra as desigualdades sociais e os abusos de poder.
Como católico, vi em Francisco uma figura cristã autêntica, que levava o Evangelho à prática concreta: acolhendo os mais pobres, denunciando injustiças e propondo uma Igreja que não se fechasse em si, mas saísse ao encontro da humanidade ferida. A energia que ele transmitia era contagiante. E guardo como uma das maiores memórias da minha vida o momento em que o vi de perto, quando estagiei na Rádio Vaticano.
Lembro perfeitamente do Victor de 2013, ainda estudante de jornalismo, ansioso diante da possibilidade de um novo Papa. Era dia de Conclave, e saí às pressas da faculdade de Comunicação da UFBA, em 13 de março, pegou o ônibus até a Vasco da Gama e subiu a pé, ofegante, a Ladeira do Acupe para chegar logo em casa, em Brotas, e acompanhar o noticiário.
A expectativa era grande, mas nada se comparou ao arrepio que senti quando vi pela TV a imagem simples e serena de Jorge Mario Bergoglio na sacada do Vaticano, apresentando-se ao mundo como Francisco. Aquele gesto de humildade, aquele olhar calmo, aquela pausa antes da bênção — tudo ficou gravado como uma memória que o tempo não apaga.
Voltando a singela análise em uma apertada síntese: foi também no campo da política internacional que ele mais surpreendeu. Seu papel na reaproximação entre Cuba e Estados Unidos, sua influência nos acordos de paz na Colômbia e sua tentativa — mesmo sem pleno êxito — de mediação em conflitos como a guerra na Ucrânia ou a crise na Venezuela, mostram um Papa que entendia que a fé não é alheia ao mundo. Pelo contrário: ela deve ser instrumento de reconciliação. Sem discursos ideológicos, Francisco usava da “diplomacia silenciosa”, aquela que se dá fora dos holofotes, mas que produz efeitos concretos.
Sua crítica ao neoliberalismo, à lógica do descarte e ao populismo — tanto de esquerda quanto de direita — era feita com equilíbrio e fundamento. A encíclica Fratelli tutti permanece como um manifesto contra a indiferença global e um chamado à fraternidade como projeto político. Já Laudato si’ é talvez o mais importante documento recente da Igreja sobre a responsabilidade ambiental.
Francisco sabia que grandes temas exigem também leveza. Por isso, encantava com seu bom humor, especialmente ao encontrar brasileiros.
A história se encarregará de colocar Francisco ao lado das figuras que mudaram a percepção sobre o papel do papado no século XXI. Ele foi mais que um chefe de Estado ou líder religioso: foi presença ativa nas grandes decisões da humanidade.
E, para nós que tivemos a oportunidade de conviver com sua voz e sua ação, cabe agora a responsabilidade de manter vivo esse espírito. Que seu exemplo continue a inspirar fé, coragem e compromisso com o outro.
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