I am crazy made in Bahia
Na política, nem sempre o conteúdo do discurso é o mais relevante. Muitas vezes, o gesto, a imagem, a encenação ganham o protagonismo. A isso, meu professor de comunicação e política nos meus tempos UFBA, Wilson Gomes, chama como teatro político. Tem um capítulo inteiro dedicado a esse tema em um de seus livros. Nada mais do que um conjunto de performances, encenações e atos simbólicos utilizados por atores públicos para gerar repercussão. Guy Debord, por sua vez, batizou o fenômeno maior de Sociedade do Espetáculo, em que a aparência vale mais do que a essência e a realidade é mediada pela imagem, não mais pela experiência direta. E, cá entre nós, quem traduz bem essa combinação é o deputado federal baiano Pastor Sargento Isidório (Avante).
Na semana passada, Isidório encenou mais um “espetáculo”. Em meio à crise diplomática e comercial com os Estados Unidos, por causa do tarifaço imposto ao aço e ao alumínio brasileiros, o parlamentar foi ao microfone do plenário da Câmara dos Deputados e propôs resolver a questão: “conversando diretamente com Donald Trump”. Até aí, já seria surreal. Mas não satisfeito, ele resolveu meter um inglês — ou algo próximo disso —, dizendo: “I am crazy made in Bahia”. Pronto. Estava criado mais um episódio de espetáculo político com selo de autenticidade baiana.
Claro que ninguém levou a sério a proposta diplomática de Isidório. Mas quem disse que era para levar? A encenação dele cumpriu perfeitamente seu papel: viralizou nas redes sociais, apareceu em vídeos de WhatsApp, rendeu matéria na imprensa e memes. Não importa se a fala teve algum efeito concreto na relação Brasil-EUA — e, claro, evidente, não teve. O importante para ele foi ser visto, compartilhado e comentado.
É exatamente nesse ponto que o conceito de Sociedade do Espetáculo de Debord se encaixa com precisão. O espetáculo não é apenas um show, mas é a forma dominante de relação social. A política deixa de ser uma arena de debate e passa a ser uma passarela de performances. Isidório sabe disso. Ele não é ingênuo — é um produto da lógica do espetáculo, moldado para sobreviver nela.
Isidório é um personagem em tempo integral, que mistura fé, farda e fanfarronice. Usa Bíblia em uma mão. Grita, canta, fala com o corpo. É o político-performer. Um tipo que, numa era de tédio parlamentar, atrai os holofotes com facilidade.
Mas por que isso funciona? Porque, em tempos de superficialidade generalizada, o público quer ver, mais do que entender. É mais fácil assistir a um vídeo de 30 segundos de Isidório falando inglês do que ler uma nota técnica sobre as tarifas do aço. É mais palatável rir do “crazy made in Bahia” do que tentar entender a complexidade do comércio internacional.
Há quem diga que isso é apenas folclore. Mas não é. É uma forma de comunicação política, uma estratégia. E o sucesso dessa estratégia revela muito sobre o estágio de alienação da política brasileira. Se ele tá ali é porque alguém o elegeu. A política se transforma em uma extensão do entretenimento, e os parlamentares em personagens caricatos de um programa de auditório permanente.
Isso não significa que Isidório seja desprezível ou desprovido de inteligência. Pelo contrário: ele entendeu o jogo, domina a lógica da cena e sabe o que seu público quer. Não é por acaso que, mesmo sendo alvo de piadas, ele segue reeleito e popular.
Ao rir de Isidório, muitas vezes deixamos de perceber que, enquanto o teatro acontece, o país segue sem respostas concretas para questões sérias. “Pense num absurdo. Na Bahia tem precedente”, Otávio Mangabeira. A conferir.
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